Díli, 28 abr 2022 (Lusa) – O Presidente timorense eleito afastou hoje o cenário de dissolução do parlamento e eleições antecipadas ou da queda do atual Governo, considerando que esses cenários não são adequados dado o atual contexto de crise económica e social do país.
Em entrevista à Lusa, José Ramos-Horta disse que esse compromisso de dissolução, defendido pelo Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT) de Xanana Gusmão – que apoiou a sua candidatura – “não é dogma” e que o essencial é apostar no diálogo de todas as forças parlamentares.
“Sim, isso foi o compromisso, só que nada é dogma em política e não podemos ser dogmáticos, porque isso leva a imprudências e políticas erradas. A grande preocupação de Xanana Gusmão é como fazer face a essa situação de extrema dificuldade da população, não quer maior instabilidade política”, explicou.
“Nesse sentido cabe ao Governo da plataforma fazer gestos em direção ao CNRT e aos que estão no parlamento e em relação à sociedade civil. E esse gesto tem muito a ver com o diálogo”, sublinhou.
Ramos-Horta confirmou que “nada deve acontecer de significativo” até à sua investidura, em 20 de maio, e que depois disso, há que ver “a situação de governação do país que não passa necessariamente pela dissolução do parlamento e eleições antecipadas”.
“Se digo que me preocupo profundamente com a situação económica, humanitária e social do país, a solução imediata para isso não é dissolver parlamento e eleições antecipadas que, no melhor dos cenários levaria meses para se organizar até à formação do novo Governo e mesmo depois, criando um período de paralisia económica”, afirmou.
O Presidente eleito, que vai ocupar o cargo onde já esteve entre 2007 e 2012, referiu-se inclusive a um comunicado conjunto dos líderes dos três partidos da ‘plataforma’ que apoia o atual Governo em que reafirmam a união a pensar nas legislativas de 2023.
Em concreto, Ramos-Horta referiu-se a uma das menções do comunicado em que plataforma se compromete a “criar uma nova dinâmica de inclusão capaz de contribuir para o reforço da vida e cultura institucionais do Estado e das instituições públicas”.
“O comunicado emitido pela plataforma fala de diálogo e de maior inclusão e é por aí que vou explorar. Essa frase não foi colocada por acaso”, explicou.
“A liderança da plataforma analisou a situação, fizeram leitura do resultado das eleições e creio que o próprio Mari Alkatiri apesar das emoções geradas durante a campanha eleitoral é uma pessoa sempre muito pragmática quando vê que está em causa o interesse nacional. E isso notou-se no passado”, disse.
José Ramos-Horta quer que qualquer programa do Governo “seja resultado de consultas com todas as forças”, especialmente quando, como agora, o executivo quer um Orçamento Geral do Estado (OGE) retificativo, com parte do qual o Presidente eleito discorda.
“Sobretudo quando estamos numa situação em que o Governo está a solicitar mais dinheiro, como por exemplo mil milhões de dólares para os veteranos, num período em que faria mais sentido pedir mil milhões para um programa a três, cinco anos, para debelar a crise económica e a crise humanitária e social”, afirmou.
Questionado sobre se esse cenário de diálogo é possível se não houver aproximação entre Xanana Gusmão e Mari Alkatiri, líder da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin), o maior partido no Governo, Ramos-Horta considerou que isso tem que ocorrer.
“Não sei se é possível ou não mas tem que haver aproximação entre o CNRT e a Fretilin, com o PLP, PD, etc. Tem que haver. E Xanana não está fechado a isto, já conversei com ele. Ele tem sido a primeira pessoa a dizer que temos que trabalhar com prudência para assegurar que a investidura do novo Presidente decorra em normalidade, tranquilidade, tendo em vista a dignidade e expectativa do nosso povo”, frisou.
O Presidente eleito notou que “os últimos anos têm sido anos de alguma deceção em relação à liderança política” e à capacidade coletiva dos líderes “de dialogar e encontrar soluções para os problemas que se têm agravado”.
Situações de crise política agravadas pela pandemia de covid-19 e por cheias que tiveram em conjunto “um impacto profundo no crescimento económico do país e com graves consequências sociais” e que deveria ter surgido “uma liderança nacional unida para fazer face à situação, estar com o povo, mais eficaz e mais próxima” da população.
“Xanana Gusmão beneficiou pela positiva desta situação dada a sua maneira de ser e personalidade, aproximou-se rapidamente do povo. Foi sempre assim em crises anteriores menos graves”, disse.
“Não quero com isso dizer que o presidente Lú-Olo, o primeiro-ministro Taur Matan Ruak ou Mari Alkatiri fossem insensíveis. Isso seria exagerado, seria política barata dizer isso, mas cada um tem a sua forma de agir. E a forma do Xanana Gusmão agir é celeridade, espontaneidade e mobilizar recursos e ele fiz isso, mobilizou muito o setor privado, que gastou centenas de milhares de dólares em material e outras coisas para apoiar”, enfatizou.
Apesar das deceções e declarando-se otimista, Ramos-Horta ressalvou que “não houve violência política de espécie alguma” e que nenhum partido “pequeno ou grande, teve a tentação de instrumentalizar apoiantes através de jovens ou de artes marciais, para destabilizar o Estado, o Governo”.
“Isto é para mim a melhor bênção deste país”, disse.
Agora quer uma Presidência “muito dialogante, muito de fazer pontes com todos, sem exceção, e tentar levar a liderança nacional a desenvolver uma visão consensual, uma estratégia consensual para os próximos cinco anos”.
“E não é apenas retórica. Precisamos de ações concretas, de apoio à juventude, de iniciativas criativas de criação de emprego e enquanto tentamos fazer isso, eu iria expandir o programa de trabalhadores sazonais, por exemplo para a Austrália, para debelar a pressão do desemprego da juventude”, apontou.
ASP // LFS
Lusa/Fim