segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Igreja timorense aprovou há um ano regras para lidar com abusos sexuais de menores. Mas só agora as divulgou


Expresso - 03 de outubro de 2022

As “diretrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores por parte de membros do cleros”, foram adaptadas há um ano pela Conferência Episcopal Timorense. O caso Ximenes Belo forçou a sua divulgação

A Conferência Episcopal Timorense (CET) adotou em 2021 diretrizes sem precedentes para lidar com a proteção de menores e adultos vulneráveis para garantir uma melhor resposta a eventuais denúncias de abusos por membros da Igreja em Timor-Leste. “A forma firme e clara de rejeição de situações de abuso de menores e adultos vulneráveis constitui um ato de justiça e a afirmação dos valores do Evangelho em continuação da tradição cristã”, refere-se no documento a que a Lusa teve acesso.

Em Timor-Leste, explica-se, a CET assume como “sua missão promover, de um modo eficaz e concreto, um ambiente são e seguro para todos, mas particularmente para os mais jovens, os mais indefesos e aqueles que mais necessitam de proteção”.

As “diretrizes referentes ao tratamento dos casos de abuso sexual de menores por parte de membros do clero ou praticados no âmbito da atividade de pessoas jurídicas canónicas”, foram adaptadas pela CET de diretrizes da congénere portuguesa e, posteriormente, enviadas para a Santa Sé.

Datado de setembro do ano passado, mas só agora conhecido publicamente, o documento foi aprovado pelos dois bispos, Basílio do Nascimento (Baucau) – entretanto falecido - e Norberto de Andrade (Maliana), e pelo agora cardeal, Virgílio do Carmo da Silva.

“Não há palavras que possam descrever a abominável realidade do abuso sexual de menores e de adultos vulneráveis, e as terríveis consequências que esta realidade teve e continua a ter na vida das vítimas desses abusos”, nota-se no documento.

“Esta dramática realidade não tem lugar apenas na Igreja, mas esta recebe o convite do papa a encontrar os instrumentos mais eficazes e duradouros para que, no seu seio, todos os fiéis e os homens e mulheres de boa vontade possam encontrar refúgio seguro”; explica.

Trata-se, explica, de garantir que todos na Igreja promovam “condutas que assegurem a todos um ambiente absolutamente seguro, transparente, alegre e cheio de esperança”, reforçando a “necessidade de uma especial proteção para os menores e os mais vulneráveis, os quais merecem ser tutelados por todos os meios à disposição, não só da Igreja, mas também da sociedade, dando especial importância à colaboração com as autoridades civis e recorrendo a especialistas qualificados de várias áreas disciplinares”.

Ao longo de 75 páginas, a CET afirma que “as famílias devem saber que a Igreja não poupa esforços para tutelar os seus filhos e têm o direito de se dirigir a ela com plena confiança, porque é uma casa segura”.

“Os bispos timorenses desejam reiterar um renovado compromisso de fazer tudo o que esteja ao seu alcance para que os fiéis, a começar pelas crianças, adolescentes, jovens e pelos mais vulneráveis, possam encontrar na Igreja um ambiente sadio e seguro”, refere-se.

Detalhado, o documento inclui um formulário para detalhar eventuais casos de abuso denunciados – “Tabela para os casos de delicta reservata” – , servindo como “resumo” e que deve ser enviado, com documentação referente ao caso, para o dicastério responsável, a Congregação da Doutrina da Fé.

Em termos de prevenção, o documento apela a que se faça um “conhecimento aprofundado” sobre candidatos ao sacerdócio e “particular cuidado na sua admissão aos seminários e outras casas de formação”.

“A escolha de agentes pastorais, sejam eles clérigos ou leigos, deve passar a contar, onde isso ainda não acontece, com uma análise da idoneidade dos candidatos a interagirem com menores e adultos vulneráveis, sem descartar a possibilidade de requerer atestados civis ou certidões de registo criminal”, sublinha-se.

Aposta na formação adequada e continuada em questões como prevenção de abuso sexual, como identificar potenciais casos e como agir e como promover mecanismos que defendam menores e adultos vulneráveis.

Proíbe “qualquer tipo de castigo corporal” e abrange temas como não fotografar ou filmar menores sem consentimento dos pais, prevenção do 'bullying' e combate não apenas a casos de abuso dentro do âmbito eclesial” como nos meios digitais.

Sobre o que fazer em casos de abusos, o documento remete para as instruções já distribuídas pela Congregação para a Doutrina da Fé – e que devem ser “integralmente aplicadas”.

“Aquilo que estas diretrizes salientam é um renovado compromisso, por parte de todos os membros da Igreja, em estarem disponíveis para escutar, acompanhar e garantir uma adequada assistência médica, espiritual e social às vítimas dos abusos e aos seus familiares, no âmbito das atividades eclesiais”, refere.

As diretrizes foram preparadas na sequência do primeiro caso de abusos sexuais de menores que chegou à Justiça, com a condenação do ex-padre norte-americano, Richard Daschbach, em que o Vaticano atuou mais rápido que a Justiça civil, condenando e laicizando o ex-pároco.

O tema voltou na última semana ao debate com o Vaticano a anunciar ter imposto sanções disciplinares ao bispo timorense Ximenes Belo nos últimos dois anos, após alegações de que o Nobel da Paz teria abusado sexualmente de menores no seu país nos anos 1990.

Em comunicado, o porta-voz do Vaticano diz que o gabinete que lida com casos de abuso sexual recebeu alegações “sobre o comportamento do bispo” em 2019 e, no prazo de um ano, tinha imposto sanções.

Estas sanções incluem limites aos movimentos do bispo e ao exercício do seu ministério, bem como a proibição de manter contactos voluntários com menores ou com Timor-Leste.

Estas medidas foram “modificadas e reforçadas” em novembro de 2021 e em ambas as ocasiões Ximenes Belo aceitou formalmente o castigo, acrescenta-se no comunicado, do porta-voz Matteo Bruni.

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